segunda-feira, 25 de junho de 2007

Prefácio do livro - Professor Francisco Fialho


O Professor Francisco Fialho nos presenteou com um belo prefácio. Com ele aprendemos que sentir é um belo Jeitos de ver a vida. Nas suas aulas, utiliza as maiores e melhores ferramentas para tratar de temas relevantes, primando sempre pelo belo. Leia abaixo o prefácio.

"Ver um mundo num Grão de Areia

E um Céu numa Flor Silvestre,

Ter o Infinito na palma da sua mão

E a Eternidade numa hora." (William Blake)

Brincar é preciso. Viver não é preciso. Diante da perplexidade das mudanças vertiginosas, característica de nossa época, emergem novas visões de homem e de mundo em que se inserem as discussões e as buscas por uma realidade mais pacífica, segura e saudável. Redescobre-se o Homem, criador e criatura, enquanto matéria prima de todo engenho, de toda a arte.

Platão falava de um lugar incrível, em que residiriam entidades arquetípicas como o Belo em Si, o Bom em Si e outros senhores de fraque e costeleta. Para Gregory Bateson, o filósofo da ecologia profunda, sagrada, é preciso entender que o nome não é a coisa e o mapa não é o território.

Teremos, de fato, algum Mundo Real onde árvores sejam árvores e territórios sejam territórios? Somos homens capazes de se sonhar borboletas, ou borboletas a sonharem-se humanas? Afinal o que é essa seriedade que se entristece só por negar a criança que existe dentro de cada um de nós.

Filosofar é fazer amor com as idéias, vadiar com elas em algum mundo proibido e se deixar levar como um garoto moleque junto com as bolinhas de sabão em meio ao pólen das flores e os raiozinhos de luz a se refletir no ar.

Lembro de Gil e do seu medo que não tivéssemos mais noites de luar por causa dos astronautas. Guilherme Arantes gritava em alto e bom som: “Quem foi que disse que eles podem vir aqui, nas estrelas fazer xixi“. Quem são esses intrépidos argonautas querendo transformar em ciência o que antes era apenas objeto da Filosofia?

O Mundo das Idéias é um recanto sagrado, onde reside o oculto do oculto, as intenções que existiam nas mentes dos artistas ao criarem suas obras. Qual a conseqüência do lúdico nos atores que dividem o cotidiano?

Lacan busca a comunicação perfeita, a palavra mágica capaz de deslocar a psique, como o mago Don Juan, personagem / mito / realidade de Castañeda, para algum lugar de poder. Procura-se a não língua, lalangue, na lalação das criancinhas. Falo / falho; Tradutore, traidore; Trepalium, tripalium. Gestação, gestão, indigestão. Seria o brincar o resultado final desta busca?.

As idéias serão sempre sonhos intransferíveis, de mentes criadoras, que se transformam em representações nas mentes dos aprendizes. Jamais descobriremos (talvez nem mesmo a Dalal e a Wannise saibam direito ...) o significado, esse tal sentido, tão desnecessário e, paradoxalmente, tão tolamente perseguido.

Como diz Pessoa (qual deles?): Eu não tenho filosofia, eu tenho sentidos e se eu falo sobre a natureza não é porque eu saiba o que ela é; é porque eu a amo e amo-a por isso, porque quem ama nunca sabe o que ama, nem por que ama, nem o que é amar.

Todo livro habita um terceiro mundo, o Mundo das Sombras, das Representações, necessárias para que comuniquemos nossos pensamentos e possamos, de alguma forma, escapar ao cogito, agindo de forma comunicativa, como quer Habermas.

Todo conhecimento é falso, tolice a correr atrás do vento, como diria o sábio Salomão, ou erros que o cozimento do tempo nos faz crer que sejam verdades, no dizer de Deleuze. Acreditamos, com Hegel, que nada existe fora do espírito. Fantasia é realidade e realidade é a fantasia que fazemos de conta ser real. Pois bem, falemos pois destas fantasias com as quais tecemos os nossos sonhos, desenhamos as nossas ilusões.

Peter Drucker diz: “O conhecimento não é apenas mais um recurso, ao lado dos tradicionais fatores de produção, trabalho, capital e terra, mas sim o único recurso significativo atualmente”.

Tudo é milagre ou nada é milagre como diria Einstein. Todo conhecimento é criação da mente, farsa ou drama a agitar neurônios, convocar sinapses e atravessar campos de forças nos pântanos e jardins do córtex cerebral.

Nessa metáfora da fantasia que denominamos de realidade criamos, com o nosso saber (seria melhor se fosse sabor) um quarto tipo de mundo / mundos, os tais mundos virtuais de nossa cibercultura. Enquanto os mundos virtuais espelham sonhos humanos, nos perguntamos pelo sonhador desse mundo que Platão denominava Real e onde situava seus eidolons.

Tudo o que realizamos se sustenta em pressupostos e esses, como defende Maturana, se apóiam em uma forma de emocionar vivenciada dentro de uma cultura. Agimos com base nesse emocionar que, em nosso caso, é o medo do outro. O caminho para se perder esse medo passa, necessariamente, pela busca pelo conhecimento. Um conhecimento que não tem significado se dissociado do sentir.

Nessa ilusão, coletiva ou não (afinal, o coletivo é ilusão?) participamos da idéia, que permeia entre os sisudos e adultíssimos (como diria a deliciosa Emília de Lobato) acadêmicos, de que conhecer é criar.

Conhecer não é coisa passiva, algo que está fora e que é percebido por alguém. Conhecer é dialética e dialógica, é transformação e destruição, é criar e recriar-se em um processo contínuo. Oroboro, a serpente mágica a devorar o próprio rabo. Não há conhecimento sem emoção e nem emoção sem conhecimento

Gestar o conhecimento / emoção deveria partir desse pressuposto: O poder criativo e destrutivo do conhecimento / emoção e, a partir daí, buscar usar esse poder como instrumento de promoção de cidadania.

As imagens, ou as visões que criamos, são muito significativas e determinantes para a subjetividade da realidade, e conseqüentemente para a cognição de nós mesmos e da caverna em que sobrevivemos. Se acreditamos que tudo é fantasia, certo é que acreditar no milagre faz bem ao corpo e a alma. Se o corpo precisa de pão a alma precisa de beleza. Não queremos apenas uma fantasia milagrosa, mas, acima de tudo, uma fantasia que seja bela, que nos alimente a alma.

Se como quer Rubem Alves, o trabalho de um Professor cozinheiro é o de preparar receitas, é no Mundo das Representações que estas receitas habitam, como livros mágicos, passados de mães para filhas, de mestres da arte culinária ciumentos de seus talentos para discípulos ansiosos por sabedoria.

Da escuridão das webs, dos vazios dos ciberespaços e das palavras e das coisas a circularem nas inter e intra nets, fez-se a luz, ou melhor dizendo, o virtual. Cria-se algo novo, uma inteligência coletiva, com a qual se dialoga, se inter-age comunicativamente.

O info-mar é o oceano que se abre aos que velejam em busca do conhecimento. Discordamos de Fernando Pessoa. Assim como Viver, Navegar também não é preciso. Ainda que existam as estrelas e as bússolas, o desejo do navegador será sempre algo misterioso.

Mundos virtuais, como diria Yates, são construções complexas tecidas pelos sonhos de seus construtores. Se os deuses do Olimpo contentavam-se com a Ambrósia e o Néctar, nós, meros humanos, desejamos mais, desejamos a variedade, a surpresa, um prato sempre novo, diferente.

Para o escultor Michelangelo "Tudo está dentro da pedra. Só raspamos as saliências necessárias". Se uma boa refeição demanda as mãos de um artista, é preciso outro artista para saborear, para qualificar sua obra. Uma cultura que faz do tempo seu inimigo não pode se beneficiar das obras de arte. Obras de arte exigem atenção, vagar.

Nietzsche nos diz que: "Quem atingiu de algum modo a liberdade da razão não se pode considerar na terra outra coisa que um Peregrino, embora não um viajante rumando para uma meta final - pois esta não existe. Contemplará e terá os olhos abertos para tudo que acontece no mundo; não ligará o coração em definitivo a nada de único; deve haver nele algo erradio, pois a sua alegria está no mutável e no inconstante".

A relevância do livro que se vai ler não está em nenhuma resposta, mas na bússola a nos apontar caminhos por onde trilhar. Discute-se o brincar, os jogos que nos fazem sorrir e mesmo gargalhar (que é se intoxicar de tanto rir).

Afinal quem não desconfia que Deus é uma eterna criança, aquela mesma de Pessoa, e nós os brinquedos com os quais ele, criança Deus, se diverte.

Florianópolis, 21 de maio de 2007

Francisco Antonio Pereira Fialho

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